A frase lapidar, do Presidente da República José Ramos-Horta, proferida no âmbito do Dia Mundial da Alimentação (1), remete para um outro presidente da república, ex-titular do cargo e agora candidato, Luís Inácio Lula da Silva. Na altura da sua primeira candidatura à Presidência do Brasil, o candidato do Partido Trabalhista definiu como primeira prioridade política do seu programa alimentar a instituição da prática generalizada de um pequeno-almoço nutritivo como direito universal (e diário) para todos os brasileiros.
Não só por via de estatísticas cada vez mais pormenorizadas de vários índices de desenvolvimento, emitidas por organizações internacionais, incluindo não governamentais, como também resultado das crises mais recentes (a inflação nos preços da energia, dos cereais e nos transportes de ambos), a verdade é que valores que se referem a taxas de subnutrição têm sido alarmantes.
No caso de Timor-Leste, o Inquérito Alimentar e Nutricional (TL-FNS) indicava, para 2020, que 8,6% de menores padeciam de subnutrição e 18,8% (e cerca de 40% com anemia), sendo que cerca de 47% revelavam demasiada magreza das mulheres em idade reprodutiva tinham um peso consideravelmente inferior ao que seria desejável. No caso das crianças, dados sobre o nanismo (altura inferior àquela que a medida estatística “percentil” define como adequada para uma certa idade, no caso de 8,8% para crianças com menos de 5 anos) e/ou o raquitismo (extrema magreza) são preocupantes (2).
Outras estatísticas, mais antigas, dão, no entanto, a conhecer progressos naquelas taxas em períodos entre 5 ou 10 anos. Por exemplo, a debilidade infantil que, num período de 7 anos (2013-2020) terá diminuído de 11% para 9, e o nanismo, no mesmo período, de 38% para 32(3).
As justificações sociológicas para aquelas taxas preocupantes, no caso de Timor-Leste bem como em muitos outros países, radicam na situação de pobreza dos agregados familiares. Segundo um estudo do Programa Alimentar em Timor-Leste, entre 63 e 85% das famílias timorenses não estão numa situação económica que lhes permita comprar alimentos saudáveis. Estre estas contam-se a carne, os lacticínios, e, por estranho que pareça, as frutas e os vegetais (4).
A este propósito, metas ambiciosas já foram definidas por organizações internacionais, governamentais ou não, para Timor-Leste. A título de exemplo, a UNICEF tomou a iniciativa de distribuir ácido fólico a meninas entre os 12 e os 16 anos para prevenir problemas de saúde pós menstruação. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), por sua vez, ambiciona acabar com a fome em Timor-Leste lançando um projeto-piloto em Bobonaro, Baucau e Manufahi, que, na figura do objetivo de desenvolvimento sustentável 2 (nutrição, segurança e soberania alimentar), e em cooperação com o Conselho Nacional de Segurança e Nutricional (Conssantil) tenciona atingir a “Fome Zero” naqueles municípios (5).
Paula Lopes da Cruz define, ambiciosamente, toda a população daquelas zonas como destinatários e não somente a população infantil. De facto, não cremos na existência de crianças subnutridas com pais bem alimentados. Também a nível local, Filipe Costa, do Movimento Global para a Melhoria da Nutrição em Timor-Leste, pediu ajuda do Governo timorense para diminuir os 40% acima referidos para 20 até 2030(6).
José Ramos Horta escolheu como porta-estandarte da sua campanha eleitoral, a prioridade de melhorar a nutrição para Timor-Leste. Concretamente, ele deseja a erradicação da subnutrição infantil até 2027. Para tal, o Presidente da República aconselha apostar num maior investimento agrícola em produtos locais) mandioca, feijão legumes e milho, em detrimento do consumo de produtos enlatados importados(7).
Ramos Horta está consciente, portanto, também do problema da má nutrição. As suas intervenções, invetivando o Governo a diminuir a importação de produtos que Timor-Leste tem condições naturais para produzir em maior quantidade (especialmente milho e arroz), têm encontrado, por ora ao nível do discurso, respostas positivas do Executivo timorense. Este vale-se da cooperação de organizações internacionais (FAO, UNICEF e Banco Asiático de Desenvolvimento) para colocar na agenda governamental, medidas que promovam a autossuficiência agrícola do país em termos dos produtos alimentares de base (arroz e milho, sobretudo)(8).
Tal como Luís Inácio Lula da Silva, pensava há cerca de duas décadas, não se produz, não se ensina e não se aprende de barriga vazia. E Ramos Horta referiu-o lapidarmente: “Não há maior soberania do que a soberania alimentar”.
Pelo: Daniel Damaia
(1) pt.tatoli.tl/2022/10/18/ramos-horta-alerta-para-investimentos-no-setor-agricola/
(2) pt.tatoli.tl/2022/03/04/japao-financia-com-tres-milhoes-de-dolares-programa-de-nutricao-em-timor-leste/
(3) idem
(4) /pt.tatoli.tl/2021/08/25/pma-63-a-85-das-familias-timorenses-nao-podem-pagar-alimentos-saudaveis/
(5) pt.tatoli.tl/2021/06/25/map-e-fao-lancam-projeto-piloto-para-acabar-com-a-fome/
(6) idem
(7) pt.timorpost.com/saude/tp-23395/ramos-horta-pede-erradicacao-da-ma-nutricao-infantil-ate-2027
(8) idem.
(fonte: www.care.org.au/blog/timor-leste-juvitas-healthy-boys)