DÍLI, 11 de julho de 2023 (TATOLI) – Existe um direito humano universal relativo a cuidados de saúde adequados, incluindo, naturalmente, a assistência médica e sanitária para todos os cidadãos, independentemente do seu credo, género, nacionalidade ou etnia. Este direito é, também, constitucionalmente consagrado em Timor-Leste (segundo a alínea 2 do artigo 57 da CRDTL). Mas, no país, a referida premissa constitucional não se aplica na prática. Sobretudo quando se trata da saúde mental.
Em Timor-Leste, a fatia orçamental para o serviço nacional de saúde é insuficiente e a falta de recursos humanos é manifesta, bem como a precariedade dos centros e hospitais.
É esta a opinião de Cristina Esperança Gusmão, médica de 32 anos, atualmente responsável pelo Programa de Doenças não Transmissíveis e pelo Programa de Saúde Mental do município de Baucau.
“Desde a independência do país, não há condições próprias para as pessoas portadoras de doenças mentais serem tratadas com igualdade”, assevera Cristina. A médica tem uma cara sorridente e aparenta ser uma pessoa com bom humor. É daquelas que decidiu seguir a sua paixão pessoal a nível profissional: servir quem tem problemas mentais e auxiliar cidadãos que não têm possibilidade de aceder facilmente a cuidados de saúde.
“Já trabalhei em medicina geral durante sete anos e conheço a realidade do país. A desigualdade de tratamento e empatia para com os pobres é um problema comum nos hospitais e nos centros de saúde”, alertou.
A jovem salientou ainda que o Governo ainda não investiu num centro nacional de apoio à saúde mental adequado às necessidades sentidas. Existem apenas duas infraestruturas que tratam de doenças mentais em Timor-Leste. A primeira é uma Sala de Tratamentos para Doenças Mentais, também conhecida por Unidade Acute Care que, inaugurada em 2019, possui 12 camas destinadas a pacientes com casos mais agudos e aos quais se administram medicamentos psicotrópicos e ulteriores psicoterapias. Está inserida no Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV), em Díli.
A segunda é um centro de saúde mental em Laclubar, município de Manatuto e que, funcionando desde 2011, consiste num espaço com a capacidade de atender 13 pessoas. Fora da esfera estatal, existe o programa PRADET que fornece acompanhamento psicossocial a pacientes com doenças mentais menos graves.
Missão especial
Cristina Gusmão nasceu no dia 12 de dezembro de 1990. Depois de terminar o ensino secundário em 2009, decidiu continuar os estudos na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), no Departamento de Saúde na Faculdade de Medicina Geral. No curso dedicou especial atenção, e gosto, por todas as disciplinas sobre assuntos de doenças do foro mental.
Na base do interesse da jovem pela medicina, esteve a constatação das desigualdades de tratamento entre pessoas. Cristina vai mais longe, sublinhando que “muitos cidadãos são desprezados pelas comunidades e em centros de saúde”. Para a profissional, tratar de pessoas com perturbações mentais é uma “missão especial”.
“Perseguir o interesse pela medicina foi uma das melhores escolhas que fiz. Quero servir os mais pobres e abandonados e aqueles que não têm dinheiro para fazer tratamento no estrangeiro”, enfatizou a médica. Não é à toa que já ouviu, sobre si, a alcunha de “médica dos pobres”.
Em 2015, a jovem finalizou os estudos em Medicina Geral. Mas as mudanças políticas de então, no país, assevera Cristina, dificultaram o acesso a um emprego na sua área de formação. Por isso, decidiu deixar Díli e regressar a Baucau, onde se tornou voluntária no hospital local.
“Quando acabei de estudar, o meu sonho era ter um bom emprego e construir uma casa para os meus pais. Porém, isso não resultou nos primeiros anos após finalizar o curso. Então fui trabalhar como voluntária em Baucau”.
Passado um ano, os dirigentes enviaram a jovem para o posto administrativo de Baguia, onde “é difícil aceder a transportes e postos de saúde”. Cristina lembra-se de uma experiência muito emocionante na altura: apoiar uma senhora grávida durante a viagem para o hospital, de Baguia para Baucau. “Naquela altura não havia condições para ajudar essa senhora a dar à luz, mas com a graça de Deus tudo correu bem e os dois foram salvos”.
Em 2020, com a pandemia da covid-19, pediram à jovem para apoiar o serviço de saúde municipal, durante um ano, no Programa de Pilar 7. Aceitou. Em 2022, foi a responsável do programa de Doenças Não Transmissíveis (NCD, em inglês) no centro de saúde de Baucau e, já no início deste ano, foi nomeada responsável do programa de Saúde Mental do referido município.
A médica considera que estigma, discriminação e violações de direitos humanos contra pessoas com problemas de saúde mental são comuns em todo o lado. Em Timor-Leste, onde a maioria das pessoas com deficiências mentais são consideradas “bulak” ou “loucas”, “muitos médicos têm medo de se envolver”, lamenta Cristina Gusmão. “A maioria das pessoas com problemas mentais sofre com preconceitos e são desprezadas pela família e até por médicos. Isso é algo lamentável!”, repete a médica.
Cristina Gusmão mostra-se especialmente preocupada com a precariedade do sistema de saúde em Timor-Leste e cobra mais atenção dos governantes para solucionar os problemas. A saúde mental, no ver da jovem, é uma das áreas onde as desigualdades são mais evidentes.
“O meu desejo é que qualquer Governo considere seriamente os problemas da saúde mental e aloque uma fatia orçamental suficiente para que todos os cidadãos do país sejam tratados de forma igual”. É esse o querer de Cristina Gusmão. É essa a sua esperança.
Equipa da TATOLI