DÍLI, 15 de setembro de 2023 (TATOLI) – Depois de três anos consecutivos de aumentos de impostos sobre o tabaco, que se traduziram na subida do preço de cada maço, de cerca de 2 dólares americanos em 2020 para 3,5 dólares em 2023, o atual Executivo decidiu voltar a reduzir o valor do imposto, justificando a medida com o aumento da venda ilegal. A ratificação da taxa para 2,5%, aprovada em agosto, na proposta de retificação do Orçamento de Estado para 2023, pelo Parlamento Nacional está a preocupar os responsáveis pelas estruturas de controlo e combate ao tabagismo em Timor-Leste, que questionam a decisão do Governo e temem um retrocesso na luta contra o consumo de tabaco.
Timor-Leste está entre os 20 países do mundo com as mais altas taxas de consumo de tabaco. O consumo está associado a uma série de doenças, nomeadamente cardiovasculares, cancerígenas e respiratórias e representa um desafio significativo para a saúde pública do país.
O nono relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), Epidemia Global de Tabaco – 2023, estudo que acompanha o progresso feito pelos países no controle do tabagismo desde 2008, destaca as medidas antitabágicas do país, nomeadamente o considerável incremento dos impostos sobre o tabaco nos últimos anos, com o aumento de 19 dólares por quilograma em dezembro de 2021, para 50 dólares por quilograma em janeiro de 2022 e 100 dólares um ano depois.
Apesar de considerar ser “ainda cedo para avaliar o impacto desses aumentos no consumo do tabaco”, ou seja, saber se a subida das taxas resultou, de facto, numa diminuição de hábitos tabágicos, a OMS realça o impacto imediato da subida da carga fiscal sobre o preço de venda a retalho dos cigarros, que aumentou em 75% – de 2 dólares, em 2020 para 2,25 dólares em 2022 e para 3,50 dólares por maço, em 2023. A parcela de impostos no preço de venda ao público por retalhistas aumentou de 21,8% em 2020 para 47,2% em 2022 e para 59,8% em 2023. A OMS considera, assim, que Timor-Leste se tem tornado, através destas medidas, “um líder global em impostos benéficos, atuando na promoção de um futuro mais saudável e sustentável para as gerações futuras”.
Todavia, os possíveis efeitos de uma política de aumento de impostos, com o objetivo de desencorajar vendedores e consumidores, e assim reduzir os efeitos do tabaco na saúde, podem estar prestes a enfrentar novos retrocessos. A ratificação da taxa que se fixa agora de novo nos 2,5%, representando uma redução da carga fiscal para metade (o imposto estava fixado em 5%), foi aprovada em Parlamento Nacional, por iniciativa da deputada do Partido da Libertação Popular (PLP) Maria Angelina Sarmento e do deputado do KHUNTO Luís Roberto. Na base da proposta aprovada, esteve o aumento registado na comercialização de cigarros ilícitos.
Recorde-se que já em 2019, o Global Youth Tobacco Survey (GYTS) apontava que 37% dos jovens timorenses eram fumadores, um dado que colocava Timor-Leste em terceiro lugar no ranking dos países com mais fumadores por número de habitantes no Sudeste Asiático. O mesmo relatório revelava ainda que quatro em cada dez estudantes timorenses menores de idade (entre os 13 e os 15 anos) eram fumadores ou fumadores ocasionais.
Aliança Nacional para o Controlo do Tabaco em Timor-Leste é contra descida da taxa
O Diretor-Executivo da Aliança Nacional para o Controlo do Tabaco em Timor-Leste (ANCT-TL), Sancho Fernandes, discorda da decisão do Parlamento Nacional e considera a razão invocada “pouco clara”. A ANCT-TL pediu, por isso, às autoridades para reavaliarem a decisão da diminuição do imposto, que, no seu entender, pode levar ao aumento do número de fumadores. “Porque é que eu digo que a decisão das autoridades competentes não é clara? Obviamente que os comerciantes não querem pagar o imposto. Além disso, as autoridades que trabalham nas fronteiras são fracas na vigilância, dado a quantidade de cigarros ilegais que continua a circular no território. A solução para este problema é reforçar a segurança nas fronteiras”, sublinhando que “é preciso investigar radicalmente os vendedores, porque podem ser suspeitos deste comércio ilícito de tabaco”.
Sancho Fernandes acrescenta que o tabagismo assumirá contornos cada vez mais preocupantes em Timor-Leste, com a inação a poder resultar no aumento do número de novos fumadores, se o Governo não tomar medidas imediatamente. A ANCT-TL não refuta o aumento de vendas ilegais apontado pelo Executivo e identifica, entre os 18 tipos de tabaco ilegal, as três marcas mais vendidas por negociantes, a Surya (63%), a ESSE (25 %) e a Arrow Black (42%), maioritariamente vendidas nos mercados tradicionais e via vendedores ambulantes. Aquelas marcas, segundo a organização, têm alto potencial cancerígeno, podendo prejudicar seriamente a saúde da população.

Fonte: arquivo pessoal
É sabido que as marcas que circulam legalmente não ultrapassam a quantidade de 10 miligramas de alcatrão e também que, entre as que circulam ilegalmente, algumas chegam aos 31 miligramas. A lei é clara a este respeito: segundo o artigo n.º 9 do Decreto-Lei 14/2016, que regula o regime de controlo do tabaco em circulação e, especificamente, a composição e medição das substâncias químicas naquele contidas, o tabaco comercializado em Timor-Leste não pode ultrapassar os 10 mg de alcatrão, o 1 mg de nicotina e os 10 mg de monóxido de carbono por cigarro.
O diretor recomenda que o Governo fortaleça a vigilância nas fronteiras e estabeleça uma cooperação intersetorial entre os ministérios para combater o tabagismo e a circulação de cigarros ilegais, em vez de optar por uma redução fiscal. Para Sancho Fernandes o “imposto sobre os cigarros deve ser aumentado para, pelo menos, cinco dólares por maço, para que os fumadores, sobretudo os jovens, sejam desencorajados a comprar. Em breve, a ANCT-TL estará em diálogo com o Governo para que este possa tomar as medidas solicitadas e salvar a saúde pública”.
O diretor da ANCT-TL, munido de dados, revela que, antes de o anterior Governo aumentar o imposto sobre o tabaco, das 56% das pessoas em Timor-Leste fumavam, 71% eram homens. Depois de o imposto sobre o tabaco ter sofrido aumentos, por dois anos consecutivos, em 2021 e 2022, a percentagem de fumadores caiu para 39,5, consequência, julga o responsável, do aumento do preço dos cigarros no retalho. A decisão do Governo terá levado, inclusivamente, de acordo com Sancho Fernandes, “a uma descida de Timor-Leste no ranking de países com maior número de fumadores no Sudeste Asiático”.
Hapara Fuma: aumento dos impostos “tem ajudado muitos pacientes” a deixar de fumar

Inquirimos o diretor do centro Hapara Fuma. Eldino Rangel relatou que 1.260 pacientes se inscreveram para tratamento desde que as taxas sobre o consumo de tabaco registaram os primeiros aumentos. Diz o diretor que a maioria dos pacientes registados decidiu deixar de fumar, porque está preocupada com os custos financeiros que afetam a economia familiar e, por outro lado, por temer pela sua saúde, uma vez que alguns deles sofrem, de facto, de doenças relacionadas com o tabagismo. Eldino Rangel acredita que o aumento dos impostos sobre o tabaco ajudou muitos pacientes a parar de fumar.
Cristóvão Costa, 24 anos, fumador há cinco anos, conta que começou a fumar quando estava no ensino secundário, por curiosidade e para ganhar “estilo”. Acrescenta que se inspirou depois de ver o seu pai a fumar dentro de casa, e quando este atirava as beatas de cigarros ao chão, fumava-as. O jovem relembra ainda que, mais tarde, fumava quase todos os dias e gastava no mínimo um dólar diário por dia, que podia chegar aos dois ou mesmo três dólares diários quando fumava na companhia de amigos. “Muitos vezes, fumo quando estou a conviver com os meus amigos, não sei porquê, mas parece uma boa hora para fumar” e lamenta: “não sei quando poderei deixar de fumar, porque preciso de cigarros. Sou muito dependente do cigarro, às vezes depois de comer tenho de fumar para me sentir satisfeito”.
Apesar de saber que há notícias e informações sobre tratamentos para a dependência tabágica, Cristóvão Costa não tem ideia quando irá, se é que vai, deixar de fumar. No entanto, no último mês, reduziu a despesa com tabaco porque os preços dos cigarros estão altos. “Neste momento, na minha cabeça, não tenho a ideia de comprar tabaco, mas se um amigo me der um cigarro, vou fumá-lo imediatamente”. O jovem sublinha que, se o preço dos cigarros continuar a subir, não os comprará mais e acha que irá sentir uma maior predisposição para deixar de fumar, mas não é uma certeza, porque se houver uma oportunidade para fumar, fá-lo-á. “Penso que o preço dos cigarros e uma boa aplicação da lei irão reduzir o número de fumadores, especialmente entre os jovens”.
Tabagismo parental em casa influencia diretamente o hábito de fumar de menores
Teolindo Aleixo, 25 anos, finalista do curso de Relações Internacionais da Universidade Nacional Timor-Lorosa’e (UNTL), escreveu uma monografia relativa ao combate ao tabagismo e acredita que uma das soluções para resolver o problema do tabagismo é a sensibilização dos pais, porque a educação dentro de casa influencia o comportamento das crianças e jovens. “Os pais costumam dar mau exemplo, fumando em casa, o que contribui para os filhos se tornarem fumadores. Fumam também em locais públicos, os filhos veem e começam a fumar por curiosidade”.
O finalista da UNTL considera também que uma das razões pelas quais o tabagismo ainda existe é o facto de a aplicação da lei ser ainda fraca e pouco rigorosa. Apesar do Regime de Controlo do Tabagismo (o referido Decreto-Lei n.º 14/2016) proibir a venda de cigarros a menores de 17 anos, ainda há comerciantes que vendem tabaco a menores. “Acho que muitos comerciantes não estão informados”, realça Teolindo Aleixo.
O universitário refere que, a montante, o hábito de fumar pode estar associado a problemas de saúde mental, incluindo perturbações de ansiedade, de depressão e até de esquizofrenia. A jusante, por sua vez, os consumidores de tabaco podem sofrer de problemas de saúde pulmonar, de vários tipos de doenças cancerígenas, de doenças cardiovasculares e, também, de dependência do organismo em relação à nicotina, pois esta pode aumentar os níveis de ansiedade e de stress a longo prazo.
O finalista da UNTL, o diretor da ANCT-TL e a OMS recomendam o aumento de impostos sobre o tabaco, o aconselhamento e a sensibilização da comunidade, em particular dos comerciantes, para o consumo de cigarros. O tabagismo tem consequências na saúde e a OMS confirma-o: estima-se que mais de 8 milhões de pessoas morrem anualmente devido ao consumo do tabaco.
Equipa da TATOLI