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HEADLINE, OPINIÃO

Dia Internacional pelo Fim da Impunidade

Dia Internacional pelo Fim da Impunidade

Fotografia do Google.

Por:  Ludo Lunden

Os jornalistas só deviam morrer na praia

É, por excelência, a notícia que qualquer jornalista não gosta de escrever: a morte, entenda-se homicídio em muitos casos, de colegas de profissão. O número de ocorrências tem sido preocupante nos últimos anos.

O Dia pelo Fim da Impunidade comemora-se a 23 novembro. A sua instituição visa chamar a atenção para situações de injustiça verificadas, num plano global, relativamente a profissões cuja expressão de ideias encontra constrangimentos na sua divulgação. Estão neste caso escritores, ativistas, artistas, músicos e, naturalmente, jornalistas. A data de 23 novembro, criada em 2011, evoca o massacre de Ampatuan (Massacre de Maguindanao) nas Filipinas, onde foram assassinados 32 jornalistas. É, que se saiba, o maior massacre contra esta classe profissional.

Desde 2006 que se assassinaram mais de 800 jornalistas e profissionais da comunicação social. Nove em cada dez casos não são judicialmente punidos, resultando numa impunidade total para os criminosos, de acordo com o site No Impunity (ifex.org/campaigns/no-impunity/).

A efeméride foi criada em 2011, altura em que foram escritas 1,643 cartas de protesto a 11 governos, iniciativa da qual se conseguiu uma cobertura mediática em 31 países. Desde o dia 1 de novembro daquele ano que se incentiva a divulgação de situações de injustiça online, a publicação de cartas de protesto e a assinatura de petições no site oficial No Impunity. Neste, o apelo “Levantem as mãos se se sentem bem com jornalistas assassinados” evoca um grito de revolta bem sentido entre os jornalistas.

Por sua vez, a Repórteres Sem Fronteiras, organização não-governamental francesa, fez saber que, até meados de dezembro de 2020, foram mortos 50 jornalistas, a maior parte em países onde não ocorria uma situação de guerra. Aquela cinquentena revela uma certa estabilidade em relação ao ano anterior, quando foram assassinados 53. Ainda que o número desejável fosse zero, o dado relevante é que as mortes aconteceram em contextos não bélicos (DN/Lusa, 29-12-2020). Estamos, portanto, perante situações onde a morte do jornalista não parece ser consequência, numa situação de risco, de uma bala perdida, mas de uma bala apontada.

Ainda assim, a guerra ainda faz erguer lápides. A situação bélica da Ucrânia, militarmente invadida pela Rússia, terá causado, nos primeiros dois meses de conflito, 18 jornalistas mortos, 13 feridos, 8 raptados ou detidos e ainda três dados como desaparecidos (SIC Notícias, 05/04/2022).

A morte de um jornalista não serve apenas o propósito de calar alguém passível de publicar informações incómodas para os poderes estabelecidos. Ela constitui, frequentemente, um aviso para outros jornalistas não seguirem semelhante comportamento. Foi o caso do jornalista mexicano Júlio Valdivia Rodriguez do diário El Mundo de Veracruz, assassinado “em condições particularmente bárbaras” (idem).

A classe jornalística (pelo menos a profissional) guia-se por códigos deontológicos que frequentemente a coloca em situações de risco. Aqueles códigos não estão, naturalmente, isentos de valores que se guiam por princípios intimamente ligados aos ideais da democracia representativa. Assim sendo, a denúncia ou mera narração de situações que não respeitam valores como a igualdade, o pluralismo, a justiça e a equidade, entre outros, não encontram, muitas vezes, eco nos contextos sociais e políticos onde ocorrem os factos noticiáveis e noticiados. Intimidações, ameaças (inclusive à integridade física), ataques violentos e mesmo mortes a jornalistas vão-se sucedendo.

Sim, os regimes autoritários ou autocráticos tendem a ver os jornalistas como agentes desestabilizadores do status-quo. Por tal, não são raros os casos em que os jornalistas são criminalizados: constituídos como arguidos, julgados, sentenciados e mesmo condenados a penas de prisão efetiva. E esta ocorrência também se aplica a regimes democráticos onde, por vezes, a deontologia em revelar as fontes apresenta uma descoincidência entre o código deontológico jornalístico e as especificidades de regimes jurídicos nacionais.

No que a Timor-Leste diz respeito, e a respeito de jornalistas mortos, o caso mais relevante é aquele que ocorreu em 16 de outubro de 1975, quando cinco jornalistas, de nacionalidades australiana e neozelandesa, foram assassinados por militares indonésios da TNI. A este grupo, posteriormente designado de Os Cinco de Balibó (na imagem), juntou-se um outro assassinado, também australiano e também pelas TNI.

Os bons jornalistas, pela função que exercem nas sociedades democráticas e no papel que podem ter na democratização de outras, deviam morrer de velhice. Conscientes da pertinência da sua função e da utilidade do seu trabalho, todos eles deviam morrer numa praia, sob a brisa suave da sensação de dever cumprido, ao marulho do descanso de consciência e no pensamento de que a espada não venceu a pena. Não em cima do cimento frio de uma cela ou sob a mira de uma kalasnhikov…

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