Por Afmend Sarmento
Soa bem nos ouvidos esta epígrafe:”a educação é suprapartidária[1]“, como um ponto culminante extraído de todas as atividades relativas ao III Congresso Nacional da Educação, proferido pelo Dr. Rui Maria de Araújo, o então Primeiro-Ministro do VI Governo Constitucional. Este setor se fosse “suprapartidária” porque não utilizasse o consenso para investir nesta área importantíssima cuja finalidade contribuir ao desenvolvimento sócio-económico do país. Recentemente, a Comissão G do Parlamento Nacional emitiu um Relatório, após as audiências parlamentares, onde “registou vários problemas deste setor educativo do país[2]“, porém, constata-se que a política orçamental para este setor continua com o mesmo investimento, não havia nenhuma mudança na estrutura do Orçamento Geral do Estado para o ano fiscal de 2020 nem de 2021, uma vez que o papel fundamental do Parlamento Nacional é para aprovar o Programa Político e Orçamento Geral do Estado.
No plano político, Timor-Leste consagrou a sua grande ambição para atingir as metas definidas no Plano Estratégico do Desenvolvimento Nacional 2011-2030:
“investir em educação e formação a fim de garantir que o Povo timorense estará a viver numa Nação onde as pessoas são instruídas e cultas, capazes de viver vidas longas e produtivas e com oportunidades para acederem a um ensino de qualidade que lhes permita participar no desenvolvimento económico, social e político da nossa Nação[3]“.
A Educação é o setor-chave e fundamental que contribua para o desenvolvimento sustentável do país. E o acesso à educação torna-se um direito fundamental de todos os cidadãos timorenses. Esse direito é consagrado na Constituição da RDTL, no artigo 59º: “O Estado reconhece e garante ao cidadão o direito à educação e à cultura[4]”. Por meio desta, foi criada a normal habilitante como a Lei de Bases de Educação, nº 14/2008, de 29 de outubro, que regulariza o sistema educativo em Timor-Leste. Os conceitos da filosofia de educação contemplados no regime jurídico em apreço, estabelece numa das alíneas do artigo 5º, os Objetivos Fundamentais da Educação: “contribuir para a defesa da identidade (…), para o reforço da identificação com a matriz histórica de Timor-Leste, (…) o que passa pelo reconhecimento do património cultural do povo timorense, sem esquecer, no entanto, o dever de consideração e valorização dos diferentes saberes e culturais[5]”. Nesta lógica, a educação passou a constituir uma área muito importante, no respeito pela promoção da diversidade cultural existente no país, para o “reforço da identificação com a matriz histórica de Timor-Leste”, assim, procurando promover a raiz histórica de um povo que, segundo Nicolau Lobato, “renasceu das cinzas do esquecimento[6]” do mundo internacional, afirmando a sua própria “identidade étnica, histórica, cultural e religiosa[7]“, perante o povo da região do sudeste asiático. No outro ângulo, o sistema educativo timorense deve promover, através das suas pesquisas científicas, os alicerces para o “reconhecimento do património cultural do povo timorense”, enquanto o país que possui o enorme peso dos setores tradicionais a explorar, porém ainda existe a baixa produtividade e poucos demandadores de mão-de-obra qualificada para tornar este setor fontes de receitas para o Estado. Finalmente, a Educação timorense assume a nobre missão na “valorização dos diferentes saberes e culturais”, isto é, procura contribuir para uma cultura dinâmica, capaz de valorizar, qualificar e melhorar as suas especificidades, sendo fator de coesão social e de afirmação da identidade timorense no plano internacional.
No seu modus vivendi e modus operandi, conforme as anotações jurídicas do Bacelar[8], o espírito da Lei Bases da Educação assume três papeis fundamentais para conduzir o sistema educativo timorense, através da sua praxis pedagógicas:
- Desenvolvimento global da personalidade.
A Educação é o locus privilegiado para transformar o caráter do ser humano, “ela cria, no homem, um ser novo[9]”, como falava o sociólogo francês Emile Durkheim. Este cria as possibilidades através da transmissão da ciência e tecnologia, levando-o ao mais alto grau de perfeição, isto é no sentido de humanização e não é no sentido pejorativo de desumanização. Para Durkheim, a educação é a única via para preparar o ser humano a conviver e interagir na sociedade: “a educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo números de estado físicos, intelectuais e morais…[10]”. O ser humano não é um ser fechado em si mesmo, mas que se relacione com os outros na sociedade, assim, a educação deve preparar os cidadãos para esta vida social. Em suma, enquanto ser racional e social, possui o instinto de racionalização para viver em harmonia com outros seres e tem desenvolvido regras para a sua convivência social. Pois, a essência humana tem por objetivo o desenvolvimento do fim teleológico e este telos desenvolve-se na polis através da educação.
Posteriormente, este pensamento durkheimiano foi incutido por um modelo de concepção de uma educação humanística e psico-cognitiva defendida por Roger e Piaget, como fundamentos da teoria da psicologia de educação, isto é, “as pedagogias psico–cognitiva e humanista permitem formar pessoas autónomas, críticas e criativas, capazes de melhorar a situação em que vivem[11]”, com a finalidade de formar os seres pensantes, críticos e criativos e são capazes de decifrar os labirintos da realidade social, mas também permitir “a formação de pessoas competentes que sejam também inovadoras, responsáveis e solidárias, capazes não só de melhorarem a situação em que vivem, mas ainda, de viver e conviver com as outras pessoas num ambiente de paz e de cooperação“. A situação hodierna, urge a educação para formar jovens críticos e criativos, mas também inovadores, responsáveis e solidárias. Devem sempre ser, empreendedores e pro-ativos. Dessa forma, serão certamente bem-sucedidos a nível pessoal e contribuirão de forma muito significativa para o desenvolvimento de Timor-Leste.
Noutra perspectiva, Arranha coloca em ênfase que a “educação supõe o processo de desenvolvimento integral do homem, isto é, de sua capacidade física, intelectual e moral, visando não só a formação de habilidades, mas também do caráter e da personalidade social[12]”. Timor-Leste deve optar por uma política estratégica e holística para a área tão complexa como a Educação, ou seja, deve fomentar a formação de todos os cidadãos a serem mais humanos e mais académicos. O aspecto humanismo se desenvolve através das artes, estéticas e boas práticas na vida quotidiana, enquanto o aspecto académico se desenvolve por via de aquisição do conhecimento científico e tecnológico através das instituições académicas. Nesta linha, a Escola-Universidade é, antes, o espaço onde o estudante aprende a pensar de forma crítica sobre uma determinada área, desenvolvendo as capacidades de colocar boas perguntas científicas sobre essa área e de procurar respostas utilizando metodologias, referências e tecnologias modernas.
Para Delors, o século XXI com a influência da era globalização, urge a educação para repensar o modelo antigo de formação dos cidadãos, colocando em destaque os quatro pilares do conhecimento:
“a educação deve organizar-se à volta de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão dalgum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as actividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes[13]”.
Nesta lógica, os estudantes devem ser capazes de integrarem as 4 vias de conhecimentos que se convergirem numa relação de teoria-prática: o saber-ser, o saber-fazer, o saber–conhecer e o saber-conviver tornam-se os mecanismos fundantes das competências humanas e habilidades profissionais do século XXI. É fundamental incutir nos estudantes para desenvolverem a sensibilidade social, ambiental e ética, a capacidade de observação e análise da realidade física, social, económica e política conforme a vida concreta em Timor-Leste.
Para enfrentar os desafios proporcionados por século XXI, a educação deve ser empenhado em compreender e explicar as situações, os acontecimentos e as rupturas, assim como as relações, os processos e as estruturas que se formam e transformam com a sociedade global. Recentemente, Schwab propôs um caminho educacional a seguir, para enfrentar os desafios colocados pela Quarta Revolução Industrial: “(1) inteligência contextual (da mente) – a forma como compreendemos e aplicamos os nossos conhecimentos; (2) inteligência emocional (do coração) – a forma como processamos e integramos os nossos conhecimentos e sentimentos em relação a nós próprios e outros; (3) inteligência inspiracional (da alma) – a forma como usamos um sentido propósito individual e partilhado, a confiança e outras virtudes para efetuar a mudança e agir em função do bem comum; (4) inteligência físico (corpo) – a forma como cultivamos e mantemos a nossa saúde e bem-estar pessoal e daqueles que nos rodeiam[14].”
A situação global em que vivemos carateriza-se por um ritmo excessivamente intenso e rápido de mudanças. As mudanças no campo social e económico, cultural e comportamental, ecológico e tecnológico afectaram e continuam a afectar, de forma intensa, a sociedade em que vivemos. Para tal, a educação deve assumir a sagrada missão para preparar os jovens timorenses com competências e skills do século XXI, para enfrentar os desafios proporcionados por este mundo digital, ou seja, a Quarta Revolução Industrial, ainda que a realidade timorense, sobretudo aldeias remotas ainda não sentiram os benefícios da primeira revolução industrial, para não falar da segunda e da terceira revolução industrial. Estamos ainda muito longe dos sonhos dos founding fathers de tornar Timor-Leste um país próspero e uma sociedade bem instruída. Esta é missão das novas gerações para continuar as obras dos fundadores da nação.
[1] Ministério da Educação, IIIº Congresso Nacional da Educação, 2017, 60-77.
[2] COMISSÃO G, Relatório Parlamentar da Comissão G, está disponível em Agência LUSA, 30 de setembro de 2020.
[3] Timor-Leste, Plano Eswtratégico do Desenvolvimento Nacional 2011-2030, 20.
[4] VASCONCELOS, Pedro Carlos Bacelar de (Coord.), Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, Braga, Editor Direitos Humanos-Centro de Investigação Interdisciplinar, 2011, 215-217.
[5] Lei de Bases de Educação, nº 14/2008, de 29 de outubro.
[6] GUSMÃO, Martinho G. da Silva (Editor), “…Sabemos, e podemos, e devemos vencer!” Antologia de Textos para uma “auto biografia” intelectual de Nicolau dos Reis Lobato, Malang, Dioma, 2018, 223.
[7] GUSMÃO, Xanana, Timor-Leste, um Povo e uma Pátria, Lisboa, Edições Colibri, 1994, 54.
[8] VASCONCELOS, Pedro Carlos Bacelar de (Coord.), op. cit., 215-217.
[9] DURKHEIM, Émile, Educação e Sociologia, São Paulo, Edições Melhoramentos, 1978, 83.
[10] DURKHEIM, Émile, op. cit., 41.
[11] REGO, Amancio Mauricio Xavier, Educação: Concepção e Modalidades, in Scientia cum Industria, Vol. 6, Nº 1, 2018, 38-47.
[12] ARRANHA, Maria L. de Arruda, Filosofia da Educação, São Paulo, Editora Moderna, 1990, 51.
[13] DELORS, Jacques, et al., Educação um Tesouro a Descobrir, São Paulo, Cortez Editora, 89.
[14] SCHWAB, Klaus, A Quarta Revolução Industrial, Lisboa, Levoir, 2017,99. Continua