DÍLI, 28 de fevereiro de 2023 (TATOLI) – No século XIX, a construção conhecida como Casa Europa foi a primeira infraestrutura de Timor-Leste a ser edificada com cimento. Na altura, Díli era uma pequena aldeia com casas de lama e palapa, com telhados de folhas de palma, como as que ainda existem nas zonas rurais. Para além da sua arquitetura, a Casa Europa, atualmente abandonada, é um registo das histórias de luta do povo timorense, desde o tempo da colonização portuguesa até à invasão indonésia, em 1975.
Uma das razões para o abandono são os problemas estruturais. Para tentar resolver a questão, no ano passado o Governo recebeu uma proposta da empresa Business Junction Timor, em parceria com o Philotimo Group, da Austrália, para reabilitar o espaço ou construir um novo. Contudo, autoridades como a Secretaria de Estado das Artes e Cultura (SEAC) e o Centro Nacional Chega (CNC), um instituto responsável pela preservação da história timorense, contestaram os planos, por acreditarem que o projeto faria com que o local perdesse o valor histórico intrínseco que possui. Desde então, as conversas sobre o reaproveitamento do lugar não avançaram.
“Se contarmos as histórias dos nossos antepassados às nossas novas gerações, sem os ícones, elas não irão acreditar no que lhes estamos a contar e, por isso, é importante preservarmos estas figuras históricas”, afirmou Irene dos Reis, chefe do Departamento da Direção Nacional do Património Cultural da SEAC.
Origens
A Casa Europa foi originalmente erguida por timorenses que se opunham à presença portuguesa na ilha. De acordo com o livro, Património Arquitetónico de Origem Português de Díli, publicado pela SEAC em 2015, após uma revolta das comunidades locais contra a colonização portuguesa em Lifau, em 1769, a capital, mudou-se para Díli.

Na época, a população local construiu uma estrutura feita de barro e madeira. O lugar, inicialmente conhecido como Tranqueira, foi convertido na Fortaleza da Nossa Senhora da Conceição. Um centenário após o surgimento da Tranqueira, a localidade, já sob o domínio português, transformou-se no Quartel de Infantaria.
Já durante a Segunda Guerra Mundial, Timor-Leste foi ocupado pelo Japão e grande parte da cidade de Díli foi destruída pelos bombardeamentos. Surpreendentemente, porém, nenhuma bomba caiu sobre o Quartel de Infantaria, apesar de alguns ataques terem ocorrido a cerca de 100 metros do local.
“A 08 de fevereiro de 1942, por volta das 8 da manhã, dois aviões japoneses sobrevoaram Díli e dispararam sobre posições holandesas na costa. Muitos timorenses e portugueses refugiaram-se nas montanhas, onde existiam os aquartelamentos dos australianos. A 20 de fevereiro, os militares japoneses anunciaram a sua ocupação em Timor-Leste. Os japoneses ocuparam quase todos os edifícios portugueses da cidade, incluindo a Casa Europa e estabeleceram aquele edifício como seu quartel militar”, de acordo com o referido livro da SEAC.
Posteriormente, já no período da ocupação indonésia, os invasores tomaram o lugar, que passou a servir como centro de detenção e tortura contra os timorenses que compunham a resistência.
Conforme com o livro Sítios históricos no município de Díli, publicado em 2021 pelo CNC, os militares indonésios detiveram muitas pessoas no local, incluindo mulheres. Os invasores costumavam manter os prisioneiros em condições sub-humanas, não permitindo, por exemplo, o uso de roupas nas celas.
Em 1999, com a divulgação do resultado do referendo em que a maioria da população timorense decidiu pela independência do país em relação à Indonésia, a construção foi parcialmente destruída pelos militares indonésios e pelos partidos pró-indonésios. Muitos documentos e materiais referentes aos crimes cometidos foram queimados.
“Felizmente, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados conseguiu salvar algumas provas. Estes documentos ainda se encontram no CNC”, contou Nolasco Mendes, Chefe do Departamento de Investigação do CNC.
Planos que não se concretizaram
Segundo o artigo A história da Tranqueira de Díli, publicado pela Associação Espanhola de Estudos do Pacífico, entre 2000 e 2002, o Banco Mundial e o UNESCO disponibilizaram 800 mil dólares para a reabilitação da Casa Europa e o espaço ganhou uma sobrevida. A intenção era fazer do local a futura Uma-Fukun (Casa do Povo, em português), para albergar o Centro Cultural Nacional, o Museu Nacional e uma galeria de arte – o que não aconteceu.
Um relatório da UNESCO sobre os trágicos acontecimentos de 2006 – em que instabilidades políticas quase eclodiram em guerra civil em Timor-Leste – revelou que a Casa Europa, no período, foi delapidada e teve materiais furtados, tais como portas, janelas, persianas, cabos elétricos e canalização.
Em 2007, o governo timorense ofereceu a construção à Comissão Europeia, para o local tornar-se a sede diplomática da Delegação da União Europeia (UE) no país. Foi quando o espaço passou a chamar-se oficialmente “Casa Europa”. O projeto, contudo, devido a uma série de divergências, também não se concretizou.
Atualmente, as autoridades ainda utilizam as dependências da Casa Europa de forma esporádica, para realizar eventos tradicionais, concertos, entre outros. A reabertura, contudo, segue sem perspetiva de acontecer.
Equipa da TATOLI