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Grandes embarcações furtivas esgotam suprimento de peixe no sudoeste de Timor-Leste

Grandes embarcações furtivas esgotam suprimento de peixe no sudoeste de Timor-Leste

Pescador Miguel Pereira.

DÍLI, 17 de outubro de 2022 (TATOLI) – Alguns pescadores tradicionais do sudoeste de Timor-Leste lamentam que o suprimento de peixe esteja em franca diminuição devido à pesca ilegal. Eles argumentam que cada vez há menos peixe e que a pesca desregulada e ilegal por parte de grandes embarcações seja a causa direta daquela diminuição de peixe disponível nas suas águas.

É o caso de Miguel Pereira. Assegurou que “não pescamos tanto peixe como há dez ou vinte anos”. Numa entrevista, na praia de Nankuru, afirmou: “É uma coisa estranha e acontece com todos”.

Igual posicionamento tem Lourenço Pereira, irmão de Miguel, também pescador. Acrescenta que não consegue “pescar sequer o suficiente para sustentar a família” e “há algumas décadas não só tinha peixe para a família, como também para vender. Assevera: “Se, à noite, conseguirmos pescar um pargo preto, já é muita sorte”.

Os irmãos Pereira são apenas dois de algumas centenas de pescadores que vivem na costa sudoeste do país. Dados oficiais estimam que haja cerca de 5 mil pescadores no país e que cerca de 32% sejam daquela zona. Lourenço Pereira afirmou ter a certeza de que não há qualquer possibilidade de o suprimento de peixe ter sido esgotado pelos pescadores locais já que eles apenas vão pescar quando a maré está baixa. O irmão Miguel aponta o dedo: “são as grandes embarcações as responsáveis. Eu acho que elas pescam muito peixe de cada vez que recolhem as redes”.

“Numa noite, o meu irmão Lourenço e eu estávamos na praia de Nankurun e vimos duas estranhas e grandes embarcações de pesca nas nossas águas. Eles estavam a comportar-se de uma forma estranha. Eu disse ao meu irmão: foram eles que levaram todo o peixe. Usavam redes de arrasto para a pesca. Há sempre dois grandes barcos de pesca. Devem estar a trabalhar em conjunto. Portanto, se tiverem duas embarcações tão grandes a pescar juntas, acho que apanham muito peixe”, afirmou Miguel Lourenço.

Disse ainda que as embarcações de pesca não estão identificadas e pescam sempre à noite e durante a maré alta: “Na verdade, nós apenas olhamos e não fazemos mais nada. Mesmo as autoridades daqui, estou certo de que não podem fazer nada, porque a maré está alta e não têm meios para perseguir estes pescadores ilegais”.

Em resposta às preocupações das comunidades costeiras relativamente à pesca ilegal nas suas águas, o Diretor-Geral das Pescas, Acácio Guterres, afirmou que, devido à falta de recursos, incluindo pessoal treinado e com equipamento adequado (tais como navios de patrulha marítima), é muito difícil para as autoridades proteger as águas de Timor-Leste.

“Até agora, não apreendemos qualquer embarcação de pesca ilegal. Sabemos destas embarcações pesqueiras através da vigilância global da atividade piscatória. Então, para impedir a pesca ilegal nas nossas águas, precisamos de pessoal treinado e de equipamento adequado”, assegurou Acácio Guterres.

Guterres acrescentou que Timor-Leste está atualmente a trabalhar com a Indonésia num projeto chamado Ecossistema Marinho Alargado do Mar da Indonésia (Indonesia Sea Large Marine Ecosystem): “Estamos a trabalhar com a Indonésia, concentrando-nos nos movimentos de pesca ilegal e na vigilância das áreas fronteiriças”.

Segundo o Fundo para o Ambiente Mundial (GEF), a região do Ecossistema Marinho Alargado do Mar da Indonésia abarca um total aproximado de 2,13 milhões de km² (98% nas águas territoriais da Indonésia, e 2% nas águas territoriais de Timor-Leste).

“Atualmente também colaboramos com a Austrália, Indonésia e Papua Nova Guiné numa parceria, a Ação do Ecossistema dos Mares de Arafura e Timor (ATSEA). Trabalhar com estes países é importante para reforçar os nossos esforços no sentido de reduzir a pesca ilegal em Timor e no Mar de Arafura no futuro”, informou Acácio Guterres.

O Diretor-Geral disse ainda que a maioria das atividades de pesca ilegal em Timor-Leste acontecem na parte sul do país, onde a maré, quando está alta, apresenta uma abundância de peixe: “Os dois Navios de Patrulha Marítima dados pelo Governo australiano, que chegarão em 2023, vão ajudar-nos a controlar o nosso mar. Esperamos que estes navios-patrulha possam controlar toda a Zona Económica Exclusiva de Timor-Leste”.

Informou Acácio Guterres que, de acordo com o Decreto-Lei n.º 6/2004, os navios de pesca estrangeiros licenciados para pescar em águas marítimas nacionais só podem exercer atividades de pesca, por um lado, num limite máximo de 6 milhas da linha costeira timorense para a pesca semi-industrial e, por outro, até 18 milhas da linha costeira, para a pesca industrial. No entanto, devido a recursos limitados ainda é difícil para as autoridades assegurar que as embarcações licenciadas no estrangeiro sigam os regulamentos.

Segundo o Ministério da Agricultura e Pescas (MAP), em 2018, foram detetados cerca de 107 navios de pesca ilegal no Mar de Timor.  Durante esse período, foram retiradas do mar cerca de 239.460 toneladas de peixe, que se estima terem um valor económico de mais de mil milhões de dólares. Só em 2019, o MAP detetou um total de 69 embarcações de pesca ilegal a operar nas águas de Timor-Leste. Em termos de valor económico e a título de exemplo, mais de 147.975 toneladas de peixe pescadas ilegalmente em 2018, correspondem a um prejuízo de cerca de 839 mil dólares.

De regresso a Miguel Pereira: “Com um equipamento tão moderno, acredito que podem apanhar todos os peixes, incluindo, o carapau preto e vermelho, o atum, a cavala, a sardinha, a cavala espanhola, o tubarão, os golfinhos, o tubarão- martelo, e assim por diante. Portanto, são eles que vêm aqui frequentemente e apanham todos os peixes”.

O irmão Lourenço contou que cada pescador local só lança, um de cada vez, o seu equipamento de pesca: “Estes grandes navios de pesca lançam dezenas de redes de pesca. Assim que detetam o peixe com os seus equipamentos modernos, todos os peixes desaparecem. Raramente apanhamos o pargo vermelho e o tubarão”. Lourenço afirmou: “Passei quase 30 anos a ganhar a vida com a pesca. É por isso que sei exatamente o que está a correr mal nas nossas águas”.

“Não sou só eu e o meu irmão que vemos regularmente estas embarcações de pesca ilegal. Outros pescadores locais também têm visto estas embarcações com frequência. Recentemente, o meu irmão Miguel e eu usámos as nossas tochas para os afugentar, mas eles são corajosos. Portanto, não havia nada que pudéssemos fazer porque a maré é tão alta e é muito perigosa para navegar”, disse Lourenço.

“Queríamos contactar as autoridades, mas estamos bem cientes de que, atualmente, Timor-Leste não dispõe de embarcações de patrulha de grande porte e avanço, capazes de controlar e impedir que a nossa água seja invadida”.

Lourenço apelou ao Governo que intensifique os seus esforços no sentido de proteger seriamente os recursos naturais subaquáticos de Timor-Leste. “Queremos que as autoridades competentes estabeleçam contatos com os pescadores locais para que, quando vemos um navio ilegal, o denunciemos imediatamente às autoridades nacionais para uma ação séria contra estes pescadores ilegais. É triste para nós, porque os estrangeiros vêm e tiram centenas de toneladas de peixe das nossas águas”, afirmou.

O chefe da aldeia de Umaboku, Feliciano Batista, informou que já ouviu várias vezes os pescadores locais falarem sobre as embarcações de pesca ilegal nas águas de Umaboku.

“Falaram-me sobre as embarcações de pesca ilegal. De acordo com o que eles me disseram, quando as embarcações de pesca passam pelas águas de Umaboku, não há mais peixe”, afirmou Feliciano  Batista.

O chefe de aldeia apelou à Unidade de Patrulha Marinha de Timor-Leste (UPM-TL) da Polícia Nacional Timorense para monitorizar e controlar as águas de Timor-Leste nos municípios do sul: “O Governo deveria tomar medidas urgentes para acabar com a pesca ilegal. O Governo deveria gastar algum dinheiro para comprar uma embarcação patrulha marítima para controlar e prevenir a nossa água da pesca ilegal”.

Também, Fonseca, professor de pesca e aquicultura na Universidade Nacional de Timor-Lorosa’e (UNTL) disse que para proteger com sucesso os recursos subaquáticos, Timor-Leste precisa de pessoal treinado e de equipamento adequado para fazer cumprir a lei. “É bom que Timor-Leste tenha assinado um acordo com outros países, incluindo a Indonésia, Austrália, e Papua Nova-Guiné para dissuadir a pesca ilegal”.

Segundo a Global Fishing Watch, a organização sem fins lucrativos que acompanha a atividade das embarcações no mar, a maioria das embarcações de pesca ilegal nas águas de Timor-Leste provém da Indonésia.

“A pesca ilegal ameaça a nossa segurança alimentar e a nossa economia. Se não intensificarmos os nossos esforços para adquirir recursos adequados e concebermos boas políticas para controlar os nossos recursos subaquáticos, então a subsistência das nossas comunidades costeiras estará em grande perigo”, afirmou o docente da UNTL.

Jornalista: Filomeno Martins/Tradutora: Isaura Lemos

Editora: Nelia Borges

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