O dia 30 de setembro é o Dia Internacional da Tradução. Na base histórica está o Dia de São Jerónimo, padroeiro dos tradutores, falecido, justamente, a 30 de setembro. Foi ele o primeiro tradutor da Bíblia tornando acessível o seu conteúdo a mais pessoas. Foi, então, considerado o Santo Padroeiro dos tradutores. É a própria Bíblia que veicula a narrativa que Deus, zangado com a construção da Torre de Babel, teria castigado a humanidade, semeando, com múltiplas línguas, a confusão entre todos. São Jerónimo, cristão crente, terá sido o primeiro a minimizar os efeitos desta confusão.
Desde a década de 50 do século passado que a Federação Internacional de Tradutores celebra a data. Todavia, apenas a 24 de maio de 2017, via resolução 71/288, é que a Assembleia Geral das ONU reconheceu a importância dos profissionais da tradução na ligação entre comunidades, povos e nações, na compreensão mútua, na disseminação das ideias e, em última instância, no desenvolvimento económico, social e cultural.
A tradução é, muitas vezes, um trabalho invisível. Mas se estivermos atentos a qualquer produto que usemos no lar ou fora dele, é fácil descobrir um rótulo com instruções em várias línguas para comodidade do consumidor. Na verdade, num mundo globalizado, é cada vez mais necessária a tradução de conteúdos e de ideias. Não é só a atividade turística que dá proveitos económicos e voz a minorias, mas também a assinatura de contratos, o comércio de bens e serviços a nível mundial e a disseminação de ideias.
É o tradutor (e intérprete) que permite aproximar as pessoas do mundo, quebrando as barreiras entre as linguagens e as culturas, é o tradutor que, num trabalho isolado e solitário, promove o conhecimento, a disseminação e a compreensão de ideias novas provenientes de outras nações e de outras culturas, é o tradutor quem, muitas vezes, contribui para a inovação científica e tecnológica. E não esqueçamos o tradutor literário trabalho sujeito a prémios anuais em muitos países do mundo.
Atualmente, o jornalismo, cada vez mais internacionalizado, é lugar de excelência para as funções e para a utilidade do tradutor. No mundo da diplomacia, não são raros casos onde uma tradução mal feita ou a interpretação de uma palavra traduzida, especialmente dadas algumas idiossincrasias linguísticas e culturais, deram origem a mal-entendidos e até conflitos (diplomáticos e não só) entre pessoas, grupos ou nações. Foram alguns destes exemplos que saíram da boca de José Martins (nome fictício), ex-tradutor de um órgão de soberania de Timor-Leste.
José é tradutor de formação e de profissão. Está plenamente consciente, pelos anos de experiência, das dificuldades da sua função. “Isto está entre a ciência e a arte”, disse José. “Por vezes é muito difícil adivinhar as intenções do autor do texto original, noutras a informação é incompleta para se descobrir, e traduzir, a mensagem”. Por tal, explica José, “ser tradutor é também ser um investigador que recorre a uma multiplicidade de fontes para perceber as ideias essenciais, e distingui-las das secundárias, num texto traduzido”.
José apenas se referia ao produtor original do texto a traduzir porque quando se entra no domínio das especificidades e estranhezas linguísticas de cada idioma, “é um problema, é um dilema”, declara o entrevistado. “É como entrar num beco sem saída e temos que criar uma porta para o exterior”, afirma José numa metáfora. A porta é o acesso e a compreensão do texto original por parte dos destinatários.
E a tradução de tétum para português? “Não é das mais difíceis” diz José. “Apesar de por vezes ser difícil compreender a intenção do autor original, o tétum é uma língua aberta e elástica. Facilmente absorve vocábulos de português. Mas, geralmente, o autor de conteúdos em tétum usualmente «tetuniza» mais o inglês do que o português, dando-lhe uma ortografia própria. É quase casuístico, é quase à vontade do escriba”. José sabe de imensos exemplos curiosos desta situação. Para o primeiro caso lembra as expressões do “tenki” e “ital” (para, respetivamente a ideias portuguesas do “tem que” e “e tal”), entre muitos outros, e para o segundo caso, cita o “environamento” (do inglês environment em detrimento do luso “ambiente”).
José tem orgulho na sua profissão e boas memórias de Timor-Leste. Lamenta a inexistência de um programa informático de tradução de tétum para português que ultrapasse simples vocábulos e a falta de conhecimento e vontade de aprender tétum por parte dos malaes portugueses em Timor-Leste. Finalmente, deseja a criação de um curso de tradução no âmbito do ensino superior timorense.
Traduzir é muito mais do que o significado simplista de um dicionário, é uma arte, é compreender, é tentar colocar-se na pele e na cultura do produtor do texto original, é interpretar tendo, empaticamente, em mente que o leitor do texto traduzido compreenda a tradução na sua plenitude. De outro modo, ficaremos, como dizem os ingleses, “lost in translation” o que, traduzido em português, significa “perdido na tradução”. E a função da boa tradução, que exige conhecimento e paciência, não é perder, é encontrar, é partilhar.
Daniel Damaia